segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Caos.




Eu me amo. Uma parte eu digo. Em mim algo me ama, em mim algo se ama, pois em mim também sou eu. Em mim algo ama como amasse algo de fora, ama querendo a posse, ama querendo a proximidade, ama querendo colocar em si o que ama, quer colocar o si próprio dentro de si, ama como se quisesse ser o que ama, mas não pode por que já é, esse amor quer tornar-se. O amor em mim, sobre mim e para mim é tão louco que ele deseja tudo o que já tem, tudo o que já é, é como se quisesse ter o seu reflexo dentro de si, como se colidisse com toda a força com o espelho na tentativa de colocar-se dentro de si, de ocupar o espaço que já ocupa, esse amor é frustrado por sua própria existência, o que ele é não permite que ele seja, por que o que ele quer também faz parte do que ele é.
Existe também algo em mim que não me ama, nem um pouco, nem por um momento, nem jamais amará, nem nunca amou. Uma parte que não me odeia, mas que me ignora, não é ódio, é não-amor. Uma parte de mim que não me ama, que não se ama, pois em mim também sou eu. Um não-amor espectral, que transpassa a si com um sentimento de ignorância, que não se conhece, mas que não justifica seu não-amor em sua ignorância como autoconsciência e sim na sua ignorância de desinteresse, como se tivesse cruzado consigo próprio como se cruza com qualquer uma das milhares de pessoas que há de se cruzar durante toda a vida, esse não-amor quando sonha não reconhece a personagem que ocupa o seu reflexo, encontra em sua imagem um rosto embaçado e que mesmo nítido pensaria ser o espelho um lugar a qual não iria adentrar pois alguém o impedia de passar pela moldura. Um não-amor que existe para não amar a si, que existe para que se permita fazer as coisas que somente não se amando é possível.
Parece uma dicotomia, uma oposição, um antagonismo, mas não. Esses amores e não-amores, não são de fato partes e sim tempos, períodos e contraditórios dizer também fases - fases que são partes de tempo - não como o Ying e Yang que se misturam e se completam e se equilibram, nunca, em nenhuma hipótese, a regra deles é o caos, não há em sua atuação um que em cena possa-se chamar de protagonista ou que não se possa chamar os dois ou ao que se escolher como protagonista, tudo pode, tudo deve, tudo não, um caos entre elementos que se consideram distantes mas que são tão a mesma coisa que já também não podem ser o que são, mas podem porque não há regra, só o caos, o caos é a regra.
Caso o não-amor queira amar o amor que ama a si ele não estará se contradizendo, e se o amor que ama a si não quiser amar o não-amor e torna-se por tanto ele, também pode. Há-se a ideia de que a ordem permite que as coisas sejam o que elas devem ser e que o caos não possibilita que nada ocorra ou seja. Que falha grotesca, o Deus negro africano, o jesus, o homem com cabeça de elefante, o dragão, o homem dos raios que come seu pai, todos existem porque o caos existe, porque ele permite, o caos não determina impossibilidade, ele determina que todas elas possam existir, ele permite que o universo seja uma ilusão ou um bola de gude de outro universo, ele permite. Porque não permitiria ele que meus tempos não fossem um ao outro se o que quisessem, que metamorfoseassem-se em todos os outros tempos que ainda não foram ditos.
Isso é sobre uma história de amor. Resumida em poucas palavras que dão sentido a todas as outras que existem e não foram ditas. Quisera eu usar a palavra Sol para descrever o não-amor, também me faria compreendido, ou usar Poeira para substituir o amor que me ama, também poderia.
As palavras tão pouco densas, tão pouco leves pretendem dizer que eles se cruzaram, o não-amor e o amor-a-si e geraram filhos, semelhantes alguns: não-amor-a-si; amor-a-si-não; si-não-há-amor; alguns parecidos e com características próprias: a-se-não-fosse-o-amor; amar-a-ti; há-amor; e desse momento do cruzamento, mesmo após darem-se luzes, seguiram indiferente, um pouco parecendo que não se conheciam, um pouco parecendo que se conheciam de mais. Fazendo com que tanto parecessem qualquer um dos poucos que diz-se terem parecido fosse descartada a necessidade de comunicação - algumas coisas devem ser caladas por desconhecimento outras pelo conhecimento -.
Isso, essa constatação da existência desses amantes e não-amantes, tempos, períodos, fases, palavras, ordem e caos é para dizer que o meu amor não correspondido é o meu amor próprio.

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