sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Memórias póstumas de um copo vingativo.

 

   Fui um copo, a mesa pausei silencioso, creiam fui vazio. Fui um copo pausado sobre a mesa, a beira.
   Estava então em uma manhã sobre  mesa do café, vejam, a mesa era do café, não minha, vergonhosamente eu ocupava o que não era meu, mas sabia que ele, o café, me cedia por pena seu espaço, não me culpava pois sabia que eu havia sido posto ali e também sabia que a mesa não lhe pertenceria para sempre, mais tarde seria a mesa do almoço; e depois de outro café, o da tarde; e depois a da janta; e entre o meio tempo de não ser de ninguém poderia ser de qualquer coisa a qualquer momento, bastava que sentassem e comessem algo.
   Sendo um copo, de vidro, eu me atentava imóvel. Nada custava para despercebidos me derrubarem, quando cheio me preocupava, a criança me tomava com aquelas mãos novas e fracas que eram como veneno, que medo eu tinha. A cada refeição torcia durante todos os dias que fui copo para não ser escolhido dentro todos os outros, mas não houve uma refeição se quer que eu não era, a eficiência daquela mãe que nunca deixava uma louça suja e a aptidão da família que nunca deixava uma louça limpa fazia do ciclo mais curto e da minha tensão mais constante, ninguém percebia, mas eu tinha ataques de pânico, eu era um copo com ansiedade generalizada.
   Cheio do que quer que me enchessem eu era tomado, o que havia dentro de mim era tomado lentamente, coisas amargas ou doces, nem mesmo eu sabia que o que a pouco ganhara perderia. Eles me enchiam e  me tomavam infinitamente, cada gole era pessoal. As mãos e lábios oscilantes daquela família, ásperas ou sedosas, faziam de mim canal para o mais nojento dos pecados, a gula, me esvaziar  os saciava, e ou me deixavam incompleto ou sujo, no fundo eu os odiava.
   O pai, grotesco homem, me tocava com aqueles dedos imundos, raras vezes, sempre fedendo, um pouco mais me mataria.
   Pois nesta manhã que eu falava, me vi cercado de outras coisas, talheres, comidas, guardanapos. Parecia que era uma data especial - que pena, seria tomado por vários - logo se aprumaram todos na mesa, até o homem que pouco o fazia - mas vejam era uma mentira -. Aquela mulher, ah aquela mulherzinha, foi ela quem me matou, ela preparara todo aquele ambiente e banquete para acusar o homem, não sei do que falaram, eu os ignorava, até os mais altos tons eu fingia não ouvir, era normal eles brigarem, eu só olhava pela janela, as crianças choravam, por ser copo de vidro, um pouco, eu vibrava. Aquela mulher preparava o mais farto café da manhã para lhe acusar, ela acusava pela manhã, vejam que desprezível, ignorava-os categoricamente, vá saber do que era aquela acusação, pois ansioso como sou bobeei,  o medo que me causava uma mão de criança devia faze-me trincar na discussão de dois adultos, mas não.
   Quando vi, eu voava. Percebi que do homem eu me afastava, fui para na cabeça da mulher, vejam ele me lançou, tão rápido que só pude aceitar, miserável! Quebrei na cabeça dela que gritava de dor, estava duplamente ferida, digo triplamente, perdera um copo, um rosto e um casamento. Meus primeiros pedaços caíram perto dos pés das crianças, que correndo e chorando se cortaram, enquanto o sangue dela jorrava, junto eu caia, espatifado, fragmentado, não-copo, quer saber? Graças! Era o rosto dela que sangrava.
   Vi um pouco depois da minha morte o rosto dele, o homem, parecia arrependido-satisfeito, desgraçado-liberto. Eu já não tinha mais dentro, mas se tivesse, por dentro riria.
   Ficou assim, mulher ferida, crianças chorando, homem culpado e copo quebrado. Pude realizar o sonho que nenhum dos outros copos realizou, mesmo morto eu os tomei, agora eu era só vidro vivificado e saciado de sangue, meu funeral foi jornal e lixeira.

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