sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Os inimigos.

 

 
     Mas que sonho terrível! Assim preferiria não sonhar. Como ousa minha própria cabeça me presentar com isso. - Disse, deitado, a si mesmo.
     O dia passava em uma velocidade que ele não reconhecia, logo seria meio-dia, mas ainda eram sete horas. Estranho.
      O tempo nunca lhe apeteceu, pensara ao acordar sobre cada coisa que deveria fazer  ao dia, para adiantar, mas justamente por isso já estava atrasado, pensar não adianta, pensava, mal pensara na primeira tarefa e ela já começara sem ele, ela se fazia e o culpava, cada livro, antes seus amigos, agora o diziam que se o lessem, ler-lhe-iam tarde de mais, o livro de cima apontava para o de baixo: nem por mim tu passara, que queres com o outro, ousado.
        A culpa o deslocava. Bastava o primeiro pensamento seguido do abrir de olhos que se fracassava por completo e inteiro. Minha nossa!
       Tudo lhe era contrário, o chinelo estava longe da cama, o dia amanhecera frio, o café não lhe fazia mais efeito, a música nova de sua banda favorita, o texto pensado, vejam, até a gravidade, um pouco mais conspiraria.
     Mal vira já era meio-dia, ainda. Só fumara e escrevera o texto fraco, o texto farpa, o texto mimado. Que pensariam dele se o vissem com aquela idade fumando e escrevendo. Provavelmente que estava estudando, ninguém sabia que escrevia mesmo, ao menos ele estuda, diriam. Rezava para que os livros ariscos nunca se intrometessem em suas poucas conversas, nada custava para lhe revelarem ou desmentissem suas desculpas para não socializar, vou estudar, dizia e pretendia, mas ele fumava e escrevia, ninguém notaria a diferença.
      Quando foi que ficara difícil brocar um livro. Foi quando um livro me brocou, pensou. E calculava que se começasse agora daria tempo, e dava, mas ao calcular se atrasava. Acordasse dois antes já estaria atrasado, acordasse um mês antes já estaria atrasado, deus, que fosse um ano.
      Tanto agora pensara talvez em desistir, jogar pra amanha e fingir que hoje nem aconteceu, ficariam elas por elas, mas já estrava atrasado para amanha também - quem é que se atrasa pro futuro -. Tanto fumava.
      Era o último dia da semana, enfrentara tudo semana aos trancos, com toda aquela penumbra, valei-me, terminaria com honra.
       Eis que o espreitava a maior das contrariedades, sorrateira se aproxima, a cada trago podia sentir, vocês não estou ouvindo a escuridão? O objetivo sem avisar o encarava com seu efeito de medusa. Só uma cortina de tragos o salvaria. O mal. Não podia encarar-lhe, que eram aquelas garras, que eram aquelas patas, mas que monstro lento, por que não me mata.
      Vocês não estão ouvindo essa imagem, ela pede socorro, matem-a. Nunca viu tal feiura, que monstro desleixado com aquela barriga, pensava, se me comer não ocuparei um terço, mas não olhava para a cara, ficaria mais louco, sabia, imagina se ele passasse a pensar que era até pontual demais. Credo!
      Por que é que o horrível-terrível me afronta? Que quer de mim?
      Ave que sonho mais horrível, assim preferiria não sonhar!
      ... Ousa ... própria ... isso ...
     - Disse, deitado a si mesmo.
     - Disse deitado a si, mesmo.








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