quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A Osteoporose. II



Ele estava atrasado. Definitivamente atrasado. O patrão de Gregor Samsa não poderia mais esperar inquieto em seu escritório, não estava disposto a perder o dinheiro gasto na passagem de trem que comprara para seu funcionário. Enquanto batia incessantemente a pobre caneta preta em sua escrivaninha de madeira, olhava ora para o relógio empoeirado ora para a janela, via ora os ponteiros avançarem rapidamente ora as nuvens cinzas se movendo tão rápido quanto os ponteiros. Iria busca-lo pessoalmente, e chamaria sua atenção enfrente a toda sua família, iria desmoraliza-lo assim que sua voz conseguisse alcançar os ouvidos de Gregor e decidira despedi-lo assim que voltasse desta viagem.
Abriu a porta de seu escritório e saiu a passos curtos e rápidos em direção a casa de seu imprestável funcionário, fora apé para economizar gasolina e também por ser a poucas quadras a casa. A garoa molhava seu rosto e o frio endurecia seus dedos, pensou que se adoecesse por conta da friagem descontaria de Gregor os gastos com a farmácia e que compraria os remédios mais caros propositadamente, o cheiro da rua impregnava em suas roupas fazendo-o odiar ainda mais o homem atrasado e acelerando seus passos.
Mal chegara na casa e sem pausa para respirar bateu descompassadamente na porta, de modo que percebessem que a visita não era amigável, e que se apresassem a atende-lo. A empregada imunda abrira a porta e identificou o homem como sendo o patrão de Gregor, sua cara até então indiferente metamorfoseou-se em uma expressão de estranheza - o que aquele homem fazia ali, pensou - convido-ou para entrar, fechou a porta, deixou o homem com vestes mal cheirosas esperando enquanto subia para chamar os pais de Gregor para atende-lo.
Os pais de Gregor desceram as escadas quase que em um salto, seguidos pela irmã de Gregor e da empregada. O patrão em meia palavra disse que queria Gregor prontificado para partir a viagem o mais rápido possível, o pai sem dizer nada puxou uma cadeira para o homem e subiu com as três mulheres em direção ao quarto de seu filho. O homem sentou-se e logo pensou em como conseguiam conceber uma cadeira tão desconfortável em sua casa, nem tocou nos braços da cadeira pois via o pó ali instalado quase que como um enfeite, indignou-se com o mal gosto da decoração, principalmente com o quadro centralizado na parede - uma galinha azul em cima do telhado - parecia ter sido pintado por uma criança, contudo ao forçar a vista viu que a assinatura no quadro mostrava o nome de Gregor Samsa. Os pais voltaram até a escada sem Gregor, o patrão irritou-se, pediram a ele que subisse pois Gregor não respondia de dentro de seu quarto, e que talvez se ele ouvisse a voz de seu patrão abrisse a porta. O homem subiu as escadas tão claramente contráriado pensando em como aquela família ousara faze-lo adentrar naquele museu de mal gosto, cruzou no topo da escada batendo ombro com o pai e mãe de Gregor, indo em direção a porta do quarto onde estavam paradas a emprega e a filha do casal bateu na porta da mesma forma descompassada como fizera com a primeira.
O homem batia batia e batia, chamou Gregor com a voz em tom alterado, já em seu limite se obrigou a colocar a mão naquela maçaneta oleosa de mal gosto - como tudo na casa - na van tentativa de abrir a porta. Ao insistir com um pouco mais de força escutou-se um estalo alto, como se a madeira tivesse cedido a força e a porta tivesse sido arrombada. Todos, inclusive o patrão deram rapidamente um passo para trás. A porta abriu-se lentamente, fazendo um rangido tão estridente que deixara todos com uma expressão de desconforto, e revelou ao lado da cama, caído e paralisado, o corpo de Gregor, ainda com as vestes de dormir. Ao olharem todos puderam ver a pele roxa de Gregor em contraste com o tapete verde musgo. As pernas, braços, pés e mãos estavam roxos, o rosto estava roxo, roxo como de quem morre por asfixia. Gregor estava morto. Todos sabiam.
A mãe de Gregor ao conceber a imagem deu um grito pior que o rangido da porta e desmaiou, o pai e a irmã ficaram paralisados, quase como Gregor, o patrão deu mais um passo para trás logo encostando na parede daquele corredor estreito, assim que pode desviar os olhos daquele estranho ser roxo e estagnado viu a mãe de seu funcionário caída. Sem pensar em nada correu, correu em direção as escadas descendo-as, saiu pela porta cruzando com o quadro estranho e colocando-se novamente sobre o céu cinza. Já fora da casa pode jurar ouvir alguma voz vinda de seu interior, mais continuou a correr, corria, corria feito um louco desesperado, as imagens daquela cena se repetiam em sua cabeça sem parar, o grito, o verde, o roxo. As pessoas olhavam para aquele ser correndo com seu paletó e viam sua cara de desespero, pensando onde ele poderia estar indo ou do que estar fugindo. Ao passar na frente de seu escritório sua secretária o viu naquele estado, saiu até a porta e tentou chama-lo, mas ele sequer virou, somente corria em desespero.
Sua longa corrida teve final ofegante em frente a estação de trem, dirigiu-se ao guichê com a pele pálida e novamente molhada pela garoa da rua. Mal falou com a moça que trabalhava no guichê da estação de trem e saiu cabisbaixo, descobrira que estava tudo perdido afinal, a moça lhe dissera que o trem de seu bilhete já havia partido e que eles não poderiam reembolsa-lo.

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