quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Pérolas.



De tão não resistir ao tempo juntou-se em areia, escondeu-se em concha, endureceu-se em pedra, virou pérola. Viveu pérola. Ela até brilhava, até valia, até merecia ser querida. Mas a palavra era não, definitivamente eu só poderia querê-la não a sendo, só sendo tudo o que ela não era e assim ela era tudo o que eu não queria. Ela brilhava só em meus olhos, só valia o que eu pagasse, só existia quando eu a tocava, de resto ninguém jamais suspeitaria o que havia dentro daquela maldita concha reluzente, ninguém ousaria querer saber, prefeririam vende-la sem abrir, e os que a comprassem deixariam-na de canto somente como um adereço, usariam-na como colar para fantasia de carnaval, como um imã que segura as contas da geladeira.
Mais os meus braços eram fracos, e tudo que a concha trazia em si era pesado, pesado porque eu queria assim, e em meus bolsos abaixaria minhas calças, e em minhas costas seria um peso desnecessário a carregar, e em minha cabeça quebraria, ou o crânio ou a casca, se eu a escolhesse a posição era de imobilidade, eu e a concha ficávamos parado.
O desejo mais profundo da concha, era encontrar alguém tão igualmente concha que talvez confundisse com seu reflexo, o desejo maligno da concha era esse, de me podar as pernas, de me endurecer a pele, de me amolecer por dentro e só por dentro brilhar. Mais eu só poderia ser concha, o mesmo que poderia ser qualquer outra coisa que não eu, não poderia! Essa era sentença certa, cravada em meus ossos. A concha não poderia querer nada de mim, só eu dela, a concha só era a partir de mim, a concha só estava a partir de mim, a pérola só era minha vontade, minha única esquizofrenia, minha única mentira coletiva. E talvez por só a partir de mim a concha se dar, eu fosse também um pouco concha, talvez concha de mais até mesmo pra concha, e talvez por isso ela acreditasse ser eu um delírio dela. Mas ainda assim a palavra era não. A única verdade é que meu desejo havia sido corrompido, ele se auto-destruía, era como uma estrela cadente que se desfaz e se torna mentira para quem não a viu, eu vi a estrela, mais não poderia contar a ninguém, nem a estrela poderia saber que eu a havia visto, ela não acreditaria, a pérola jamais suspeitaria que eu a tinha inventado, que só eu poderia em forma de espectro ultrapassar a concha, e que se eu ousasse não mais querer, nem estrela e nem pérola haveriam sido qualquer coisa no espaço tempo. Eu fecharia meus olhos, e como a vida, amolecendo-a em pó, revelando-a em luz, desfazendo-a em tempo, faria com que a pedra preciosa de meus sonhos fosse apenas grãos com vontade própria, faria com que o tempo para areia acabasse. Faria com que ela morresse não pérola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário