segunda-feira, 6 de junho de 2016

A queda.

 

    Foram inúmeros e incontáveis laudos, alguns significativos, alguns interpretativos, eu mesmo fiz vários deles, mas agora desconsidero todos.
    Só aceito a felicidade como causa de tal infelicidade, só aceito o excesso de risos para justificar essa tragédia, absolutamente nada é mais válido.
    Você como sempre causou, como sempre gostou de causar, espanto em alguns, tristeza em outros, inveja nos que te amavam, raiva nos que te desejavam, remorso e negligência em mim. Mas como estou sempre um pouco ocupado de mais para os sentimentos, mastiguei rapidamente todos eles e engoli esperando  um refluxo devastador e interno, um abalo, uma brisa leve em minhas costa quando estou em pé na beira do abismo. Era lá que você estava? Na beira do abismo? Houve também brisa leve em suas costas? Não aceito! Foi felicidade! E se fosse um abismo, era um abismo feliz, uma piscina profunda de bolinhas coloridas.
    Desconheço outro caso a que possa eu dar o mesmo nome, morte por felicidade deve ser algo inédito no mundo, ou pelo menos algo bem restrito destinado somente a pessoas boas, onde o plano de fundo da loucura seja a moralidade, somente para quem consiga transcender entre interno e externo, tornando-se em existência alguém cuja essência esteja exposta a primeira vista, uma essência atemporal, somente espacial, de forma que pessoas racionais como eu tenham dificuldade de entender, por isso inválido meus próprios laudos, sua  causa mortis, a felicidade, não foi dada por mim, foi concebida em experiência, por senso comum, por observação, é relato vivo, incapaz de ser problematizado com eficiência.
    Ao fim da causa resta sim algumas considerações, não sobre a causa, mais sobre o estilo que tanto era importante para você, não fosse minha distância nos últimos anos saberia dizer se finalmente você havia feito algo de caso pensado, e se fosse apostar diria que sim. Entregou a pior de todas as verdades no dia da mentira, e no final o dia da mentira passava mas a verdade entregue não, uma verdade não passageira, uma verdade piloto, dessas que levam de todos uma quantidade infinita de possibilidades. Também diria aos que acreditam em espirito que você não suportava mas a ideia de não visitar aquela bela torre em Paris, inaugurou-se no pós-vida junto a ela,  - espíritos viajam rápido? -. E sobre o último drink, alguns me disseram que você havia tomado algo que preserva a beleza, tentou ao menos conservar-se por dentro? Talvez tenha tentado esticar as rugas de felicidade, mas será que valeu a pena, seus métodos foram sempre duvidosos para mim, não sou bom em aceitar somente em compreender.
    Existiu um único pecado em você, a gula, nunca uma gula mesquinha pois sempre houve fartura em tudo, uma gula que transformava-nos em alimento e alimentado, a mão de midas transformava tudo em ouro, a sua mão a tudo multiplicava, tornava ambígua todas as coisas, multiplicava os sentidos e as formas. A sua gula o fez consumir um pouco da nossa felicidade, um pouco da nossa vontade, e todo seu ser, a sua gula só rejeitava tristeza, te era tóxico, te envenenou.
Disse: Você consumiu a felicidade de toda uma vida em apenas alguns anos, morreu de felicidade, estagnado em beleza.

   Nem mil sóis foram suficiente para derreter as assas de meu Ícaro.. caiu, mas caiu pra cima. Ele se foi.


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