sábado, 27 de março de 2021

Pequenos passos

 Havia algo entre os pequenos passos.

Aos poucos eu gostava mais da vida, de suas dores e belezas. Eu sintia algo que não sei dizer se estava dentro ou fora, era quase a junção de todo fragmento, o pó que me tornei tornou-se também o pó do meu apego. Eu gostava da vida, aos poucos, gostava de cada dia e até da humanidade de limites imposta entre eles.

O caos era lindo e fazia todo sentido, o tédio que outrora me torturava dava lugar as incertezas, quão belas! Talvez eu sempre tenha sido um esperançoso maltratado.

Os detalhes saborosos me despetaram, talvez, talvez seja um sonho, talvez, talvez eu estivesse sempre acordado ou dormindo, talvez, talvez eu seja perverso.

Vide as amizades e os amores, vide os ódios e os rancores, os detalhes. Viesse! Tudo me era encanto, até o medo me era dança, só o tempo me era fardo.

Até o pesado me surpreendia, a criança que fui me invadia, quão belas são as histórias, amei-as mais que os corpos, quão belas eram as derrotas, amei-as mais que os corvos, mas sei ainda que entre a dor e pudor pairavam inúmeros céus.

Eu sintia o tecido da história, que sorte a minha, sentia o segredo e o proibido, o calado e o mudo, que sorte, o escondido, e de nojo e amor forjei-me. Só as crianças sabiam. Tutorei o afeto por todos, nunca ninguém para odiar verdadeiramente.

Tinha sim entre os pequenos passos alguma coisa. Era entre o ser e o ocorrer, era a espreita, era o meu it.

Amei a vida cada dia mais e só pude amá-la tanto por desprezá-la tanto, amei e superei, mesmo hoje o tempo passado me entrega, amei antes porque o eu de agora presencia, para antes e durante é que me permeio, ai de mim da metafísica, dos cantos e do escanteio. Da letra, veja! É suspiro interjeito. Neologismo do aborto que nati e morto amou todos os seus sujeitos.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021



Beirei teu amor como sempre, como quase. E até da tua dor meu silêncio fez parte.

E de quando em quando, sempre quando, o quanto fazia alarde. Mas era tarde, o quanto queria a semente era ganância de ambas as partes. Eu não sabia o caminho da tua porta e da minha tu só sabia o de volta, até não mais saber, até não mais querer.

A beira profunda de mim que dizia, da margem ruim que fazia, do fundo falso, do cofre oculto, qual era mesmo o nome? Qual era mesmo a idade? Acho que nenhum sabia. Eu não, ao menos. Nem mesmo saber se sabia.

Espreitação espionária. Quando você viria. Quando você iria. Festim do papel a conta gotas que eu recebia. O seu, o meu papel, talvez até dos outros. Mas quem saberia? Quem?

A jovem e a velha vítimas, a terra sagrada, a promessa, o pronome e a dívida, vacas, milho e urubus, a masmorra, legado e pó. Fragmento da vida que isola não pela distância, pela esmola. Força que sustenta não pela substância, mas pela ausência. De que?

Combinado era que qualquer coisa bastasse, que o mínimo fosse o que qualquer um aceitasse, que dispensasse colagem póstuma e que findasse com o respiro, porém agora sobra em mim e você falta. Não era?

Pudera fosse qualquer coisa que podia, eu nunca ousei sonhar, nem esperar, pudera termos o que tínhamos, eu não sabia usar. Poderia?

O oco e o ócio dos nós, a metade do nada, o ato sem consequência e também consequência sem fato, sempre foi essa lacuna até eu entender que da lacuna era esse espaço.

Nunca temi o desconhecido, temia desconhecer.  No dia duas quadras você, seus filhos, seu filho. No enterro a mais passos você, seus filhos, seu filho. Na cova a mais terra você, seus filhos, seu filho. Agora sempre a beira e o nada entre o nada de sempre. 

domingo, 15 de setembro de 2019

Tu vazio.

O vazio me afronta, me assombra. Coitado!
Mal sabe o vazio que meu medo é ensaiado. Dos passos paulatinos que dou por entre as coisas, como um exitante pisante, firmo a cabeça no longe. Mal sabe também que bem quis um dia saber da vontade dos homens, decorada na mente com um olhar relance, se soubesse que isso é que me faz tediante. Do sopro suave que derrama a exporádica lágrima, turvo a própria maldade para me fazer miragem e desconfio até de mim mesmo quando choro um desejo falso que não tenho.
Vem-te a mim vazio e me descubra já estando, o que tu queres eu já era, sou teu espaço de acalanto. Vem-te a mim vazio e me penetra, olha com estrangeirismo esse meu in imaculado, uiva no exorcismo opaco que me retira de mim e deixa no meu corpo gelado o conforto que merece um vazio ignóbil e desabrochado.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Sabotagem



   Juro que vi um reflexo no cotidiano.
A vida nos espelha na miséria, um semelhante homem de distintos traços mas de parecidos sonhos.
   Poderia até dizer o quanto quer o que quer, contudo não cabe na palavra toda essa vontade que nos eleva, que nos aperta.
O que nos aproxima afinal? A pouca idade, uma casa pequena, mães solteiras, não!
   É nosso medo. Te vi tentando entender a sabotagem, um plano de derrocada, contra quem? Contra si. Dentre todos nossos inimigos, o duplo nos espreita, e eu espreito seu duplo e você espreita o meu, vamos assim travando a batalha contra o inimigo do nosso amigo, ele mesmo, você contra si, eu contra mim.
   O reflexo que vi passar era você, você ia e caia, ia e caia, por isso me reconheci. Estava almejando vitórias que poucos de nós ousaram, estava almejando conquistas para as quais fomos feitos para nem saber que existiam.
   Mas você ia, ia e caia, indo cairá, inúmeras vezes, e eu te espreitarei todas as vezes que puder, para que quando seja tu a te derrubar eu mesmo possa impedir.
   Muitas vezes as coisas que não dizemos são as mais importantes, você em seu silêncio cômico sempre disse quem era, eu em meu silêncio maledicênte sempre disse quem sou, mas quem é que pode ouvir? Quem é que poderia?
   Temo por ti e por mim, que queremos crescer nesse mundo que abafa, contudo não me falta certeza de que você irá e cairá, irá e cairá, e no fundo o que me acalma é saber que você já foi, só não percebeu.
   Há um segredo sobre ti que nunca te revelei. A verdade é que todos os seus feitos e todas as suas conquistas, das quais é mais que merecedor, não significam nada para quem conhece o trunfo da sua alma, não há medalha que pese ou troféu que reluza. Teus passos estão marcados e teus tombos estão contados. Você é o próprio prêmio, tua vitória é clichê.


Para W. L. S.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Poesia da Maledicência



A Maldade é a droga e o vício
Maldizer é o ofício
A garrafa e o vinho,
Que se refina com o tempo
Que se espalha com o vento
Que entropa o ouvinte
Que homeosta o locutor
Quem nunca viu seu sabor,
Seu cheiro de agonia, um parto de luz.
Há maldade na cobra engasgada
Há maldade na fragilidade escondida
Há maldade na ferida
Há transvaloração.
Firme e sorrateira, condecorosa
Só não há maldade na pena.
Pela pena de ser mal se assenta no trono do reino dos sós.
E pela vontade gravita os pós
E pela tortura se realiza feliz
E pela felicidade escraviza os bons
E pela bondade se torna mau
E pelo real se torna vendável
Há transvaloração.
O que quer o horror?
O que quer o horror meu?
Me vivificar.
O martelo do 'porque' fecunda
A guilhotina do 'até' germina
Bastam somente duas palavras
Para que você se desfaça
O amontoado de ti.
Deixe-me te dizer uma coisa
Até por que
Até por que
A ti por quem
Ninguém!

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Orações



Temo a própria manhã de manhã que oro de dia.
No invés da investida rezo no íntimo pra mim e sob o raio solar que me esfria crio até coragem.
Há de haver, hão de ver, ei de ter... sobriedade.
Da curta prece que se repete infima e infinita espremo uma salvação que se chama "pode ser".
Que chama a si podendo ser breve, que inflama em mim... constância.
Uma fé infiel, suspeita de si, que propaga a lamúria disfarçada de gratidão, que propaga a luxúria disfarçada de lamentação.
Temo a noite assim como a manhã amanhã.
Um homem levanta.
Eu não, eu estou sempre no leito.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Absoluto

Há uma demora, dura e intangível.
Há quem demore por ser tão flexível.
Há uma esperança, fluída e infinita.
Há quem espere resistindo a dureza da vida.

Há um momento que não vem,
Um momento que não chega.
Há um momento que já foi.
Um momento que não vai.

Mas o que é que será?
Que dê certeza!
Mas o que é que era?
Que dê espaço!

Vejam! Vejam! Olhem essa força!
Força de um futuro esbelto,
Força de um passado incerto.
Força de um presente fraco.

São tão vastas as possibilidades,
Tão infimas vontades,
Tão invisíveis as pessoas,
Tão profundo o pesar.

Quem reza por mim?
Eu rezo por quem reza por mim.
Por qual eu que se reza?
Por qual quem rezo eu?

Quem preza por mim?
Eu prezo por quem preza por mim.
Por qual eu que se preza?
Por qual quem prezo eu?

Todos os dias, daqui pra frente.
Todos os dias, daqui pra trás.
Todos os dias os dias,
Todos eles incapaz.

Todos os dias incapazes,
De agradecer,
De esquecer,
Todos os dias incapaz de ser.

Há uma demora infinita como a esperança.
Há um amanhã tão distante quanto o ontem.
Há uma vitória que fracassa todos os dias até nascer.
Há uma derrota que triunfa todos os dias até morrer.






quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

AGRADECIMENTOS


Gostaria de agradecer imensamente os professores que me ajudaram, cada
um a sua maneira, a crescer como discente e pessoa. Foram inúmeros professores
que conheci durante o processo de graduação e felizmente posso dizer que ao
menos um pouco recebi de todos eles.
Em especial cito alguns que me impactaram mais diretamente na formação. A
Professora e Coordenadora Thais Zero, cuja eficiência é indiscutível nas duas
funções, por me mostrar indireta e diretamente como a disciplina é fundamental para
o alcance dos objetivos, por todo conteúdo teórico apresentado durante as aulas de
maneira fluída e efetiva e também por toda afetividade no trato comigo e com os
demais alunos, afetividade essa que precede os méritos que têm, porém que os
tornam possíveis.
Agradeço ao professor Verona, pelo qual guardo cumplicidade e admiração na
forma como executa a docência, por sua didática dinâmica, pela formas variadas a
que sempre propôs trabalhar as idéias e principalmente por nos tornar agentes
ativos da nossa construção de conhecimento, além da infinita disponibilidade para
ouvir os alunos reclamarem de seus empregos depois da aula.
Ao Professor e Coordenador Adilson e também ao Professor Oswaldo,
profundos conhecedores do que se propõem transmitir, agradeço primeiramente
pela paciência, pela versatilidade nas tentativas de nos fazer compreender, senão
pela insistência.
Ao Professor Alex, não mais docente na instituição, por ser capaz constranger
setenta pessoas simultaneamente tirando todos da zona de conforto e nos fazendo
superar nossas dificuldades de comunicação e de relações interpessoais.
Ao Professor Cláudio de invejável positividade, por nos mostrar caminhos
possíveis dentro dessa profissão e sempre oferecer sua experiência para nossas
dúvidas.
Agradeço à todos os meus colegas de classe, de onde saíram amigos que
gostaria de levar para o resto da vida, à eles por me tolerarem, me respeitarem e me
incluírem por todas as coisas que sou e represento socialmente, por suportarem
minha arrogância e orgulho, por compartilharem horas e horas de convívio e através
de laços humanos tornarem as dificuldades desse percurso mais suportável.
Agradeço minha mãe, mulher singular, por todo sacrifício, toda luta, por todos
os dramas que suportou por mim, pelo invencível estimulo ao meu desenvolvimento,
por ser à base da minha existência e por me ver sempre melhor do que sou, pelo
afeto, por tudo.
Também à amiga Eliana, o duplo etéreo, cúmplice intelectual e existencial, por
me apresentar caminhos que eu nunca enxergaria, por dizer o que precisava ser
dito, por ouvir o que precisava ser ouvido, por calar o que precisava ser calado, por
tudo que pôde, pela disponibilidade, por reduzir a solidão e garantir abrigo na infinita
diáspora de minha estranheza, estrangeirismo e dissociação.
Aos amigos, colegas e conhecidos em especial Paulinho, Cristiano, Willian, Patricia, Alberto e Wellington, por me ensinarem querendo ou não, eles ou
eu, que no ritmo as vezes complexo as vezes simplista da vida temos de ser
resilientes e tolerantes, por que no fim o que sobra nem sempre é escolha.

domingo, 28 de outubro de 2018

Interjeição de uma galinha!



   Era um galinheiro e eu era uma galinha. Mas que vida...
   Todas vivíamos para morrer, só isso era certo, a quantidade de ovos que ponharíamos e chocaríamos para morrer é que não sabíamos, só que se chocassem de certo também morreriam.
   De tamanha certeza da morte o quando passou a ser secundário, pensávamos somente no quem e em quantas, as vezes pensávamos também no como, eu até cacarejava de medo, muito baixo para não me notarem.
   Fosse o homem, a mulher ou o jovem eramos ceifadas em quantidades diferentes, o jovem levava duas, sempre entre as mais gordas, lambia os beiços ao entrar, em seus olhos pudíamos ver passar os pratos com nossos corpos, assadas, fritas, ou ensopadas, a morte com ele vinha com expectativa de condecoração póstuma - eu temia até os temperos - a mulher levava sempre três, ela sabia pelo nosso cacarejar quem de nós era mais velha, nós galinhas não tínhamos memória boa, nos tratávamos como irmãs ainda que pudêssemos na verdade ser filhas umas das outras - ninguém sabia qual de nós viera primeiro - a mulher era rápida, sacava-nos e nos ensacava que mal podíamos lamentar, as vezes nem sabíamos quem é que tinha ido. Já o homem era amedrontador, ele entrava e pensava, e catava, uma só, depois especulávamos juntas qual o porquê dele escolher aquela. Viesse ele hoje amanha algum deles voltava, viesse o jovem ou a mulher só dali três dias, era um ciclo de morte, mas um ciclo indefinido de morte, um ciclo indefinido infinitivo de morte, porque no medo morríamos todas juntas, quando escolhida: a morte era pessoal.
   Um dia aconteceu algo estranho, mais estranho do que tudo isso. Uma galinha disse pra mim que era um homem, que estava convencida, eu ia ignora-la, pensar em um homem entre nós era absurdamente assustador, talvez eu fosse realmente medrosa demais, cacarejei.
   Como é que uma galinha podia estar convencida de ser um homem? E se ela fosse mesmo? Meu deus...
   Perguntei o que a fazia ter tanta certeza daquilo. 
   Ela disse: 
   - Não vê minhas penas, tão ralas, da pra se ver meu couro entre elas. 
   - Mas só isso? - eu disse.
   - Não vê meu bico que de tão pequeno é quase uma boca, tenho certeza que perceberam os homens que até batom poderia usar.
   - Bem, de fato seu bico é pequeno, mas só por isso?
   - Não me escutas? Ouça, meu cacarejar soa quase como uma voz, parece até um apelo humano, os homens vão notar, é muito diferente das outras galinhas, como podem não perceber?
   - Mas você não bota e choca? Se bota e choca é galinha!
   - Faz tempo que não boto, portanto não choco. Tanto tempo que quase nem sei se um dia já botei, não me lembro. De quase certeza digo nunca botei, nem mãe eu tenho.
   A esse ponto eu já pensava que de fato ela era uma galinha diferente, até entre as galinhas, que a ela olhavam estranho, estranheza que não se mantinha pela má memória, e as penas eram mesmo ralas, e o bico era mesmo curto, e o cacarejar era diferente. Será que aquela galinha poderia ser homem?
   - Olha, mas porque me conta isso? Não temes tu o homem, a mulher e o jovem como as outras galinhas? Eu temo.
   - Temer? O que há de temer? Sou um homem como todos, eles até me aliviam quando levam vocês galinhas, sobra espaço e milho, milho que não gosto, mas como para não ser um homem magro.
   - Mas porque diz isso? Não vê que todas aqui tememos? Tememos até por ti, mas agora que diz isso, não sei.
   - Por mim não precisa temer, sou homem, já disse. Te confesso porque preciso confessar a alguém, não aguento mas guardar isso comigo, e também porque preciso que outra pessoa também esteja convencida da minha certeza.
   - Olhe, eu ainda não estou em totalidade convencida, eu também adoraria ser homem, não pelas maldades que nos cometem, no fundo abomino-os, mas queria viver sem medo, podendo sacar e ensacar o que comer, que meus filhos não nascessem com a certeza de morrer.
   - Mas você não é, só de olhar da pra ver, eu é que sou.
   - Só isso não basta pra te fazer homem, sinto muito.
   - Disso tudo que eu te disse, se fosse tu homem já perceberia que sou também homem, mas te digo que o que me diferencia de vocês galinhas e me assemelha aos homens são as coisas que sinto e penso, só pensar que sou homem, sendo ou não, já me aproxima deles, desejar como faz tu de nada serve.
   - Então diga, como é que viestes parar aqui? Ciscando ou andando, ou ainda voando?
   - Não sei, não tenho boa memória, mas suspeito que algo terrível tenha me acontecido.
   - Sinto muito, mas ainda que desconfiada, não estou convencida de que seja tu um homem, precisa de mais.
   - Eu é quem sinto, deveria saber não te convenceria, galinhas não estão ai pra serem convencidas, e isso prova que sou um homem, me convenço, não bastasse, confesso a ti o maior de meus segredos: quero comer-nos, comer-nos todas, a ti e as outras, as que já vieram e as que ainda estão por vir. Querer comer-nos é o meu triunfo. Quando algum deles aqui entrar gritarei minha fome e eles de certo me serviram na cozinha.
   Eu temi, aquela galinha queria nos comer como um homem, sabia que ela sozinha não poderia fazer nada, mas se os homens a acolhessem ela o faria, talvez até me comesse de ódio contra minha negação a sua condição de homem, devia eu reconheçe-la para me preservar?
   - Isso que você disse, me convenceu. Só homens podem comer galinhas, se me dissese isso primeiro eu teria aceitado logo de cara, a fome é que torna o homem em homem.
   - Não queria dizer, pensei que pudessem me temer, algo que até devem, mas só depois que eu estiver na cozinha, a mesa. A maior prova é minha fome e ela me cega, cega a todos os homens, talvez por isso não tenham me reconhecido quando vem aqui. Estão sempre famintos.
   - Não sei mais o que te dizer, acho que nem preciso, vejo que tua certeza te basta, e a mim me basta meu medo, sou galinha por medo e tu és homem pela certeza de ser. Nem pena, nem bico importam.
   Nisso o homem entrou, sombrio como era, a galinha-homem arregalou os olhos de euforia, eu via um cacarejar crescendo dentro dela, era aquela sua oportunidade. Foram longos três pulos que deu, batendo suas assas de couro, no primeiro todas as galinhas já a olhavam, no segundo o homem percebeu, no terceiro agarrou-a. Suspensa se debatia - aquilo era alegria? -, botou então um ovo no ar, que caiu sobre minha cabeça, quebrou e respingou gema e clara em todas as outras. Eu via o homem apertando a mão, não queria que ela cacarejasse, eu tremia. Ele saiu com o braço esticado, foi sua passagem mais rápida pelo galinheiro, amanha alguém voltaria.
   Não sei se ela estava feliz, se tinha conseguido o que desejava, era estranho, um pouco eu torcia para que sim, um pouco temia haver mais um homem, só sei que o cheiro foi o mesmo de todos os jantares, chegava no galinheiro como que equiparável a um cheiro de velório humano. Penso sobre o que é que os homens comeram aquela noite, não sei dizer se era homem ou não, mas tenho certeza que não era galinha.
   Todos os dias até minha memória fraca prevalescer pensei naquilo, mas para além do pensamento agora eu temia mais, além dos homens de sempre que outros bichos naquele galinheiro eu deveria temer? Eu também não era mais galinha, depois daquilo fui para sempre suspeita.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Memórias póstumas de um copo vingativo.

 

   Fui um copo, a mesa pausei silencioso, creiam fui vazio. Fui um copo pausado sobre a mesa, a beira.
   Estava então em uma manhã sobre  mesa do café, vejam, a mesa era do café, não minha, vergonhosamente eu ocupava o que não era meu, mas sabia que ele, o café, me cedia por pena seu espaço, não me culpava pois sabia que eu havia sido posto ali e também sabia que a mesa não lhe pertenceria para sempre, mais tarde seria a mesa do almoço; e depois de outro café, o da tarde; e depois a da janta; e entre o meio tempo de não ser de ninguém poderia ser de qualquer coisa a qualquer momento, bastava que sentassem e comessem algo.
   Sendo um copo, de vidro, eu me atentava imóvel. Nada custava para despercebidos me derrubarem, quando cheio me preocupava, a criança me tomava com aquelas mãos novas e fracas que eram como veneno, que medo eu tinha. A cada refeição torcia durante todos os dias que fui copo para não ser escolhido dentro todos os outros, mas não houve uma refeição se quer que eu não era, a eficiência daquela mãe que nunca deixava uma louça suja e a aptidão da família que nunca deixava uma louça limpa fazia do ciclo mais curto e da minha tensão mais constante, ninguém percebia, mas eu tinha ataques de pânico, eu era um copo com ansiedade generalizada.
   Cheio do que quer que me enchessem eu era tomado, o que havia dentro de mim era tomado lentamente, coisas amargas ou doces, nem mesmo eu sabia que o que a pouco ganhara perderia. Eles me enchiam e  me tomavam infinitamente, cada gole era pessoal. As mãos e lábios oscilantes daquela família, ásperas ou sedosas, faziam de mim canal para o mais nojento dos pecados, a gula, me esvaziar  os saciava, e ou me deixavam incompleto ou sujo, no fundo eu os odiava.
   O pai, grotesco homem, me tocava com aqueles dedos imundos, raras vezes, sempre fedendo, um pouco mais me mataria.
   Pois nesta manhã que eu falava, me vi cercado de outras coisas, talheres, comidas, guardanapos. Parecia que era uma data especial - que pena, seria tomado por vários - logo se aprumaram todos na mesa, até o homem que pouco o fazia - mas vejam era uma mentira -. Aquela mulher, ah aquela mulherzinha, foi ela quem me matou, ela preparara todo aquele ambiente e banquete para acusar o homem, não sei do que falaram, eu os ignorava, até os mais altos tons eu fingia não ouvir, era normal eles brigarem, eu só olhava pela janela, as crianças choravam, por ser copo de vidro, um pouco, eu vibrava. Aquela mulher preparava o mais farto café da manhã para lhe acusar, ela acusava pela manhã, vejam que desprezível, ignorava-os categoricamente, vá saber do que era aquela acusação, pois ansioso como sou bobeei,  o medo que me causava uma mão de criança devia faze-me trincar na discussão de dois adultos, mas não.
   Quando vi, eu voava. Percebi que do homem eu me afastava, fui para na cabeça da mulher, vejam ele me lançou, tão rápido que só pude aceitar, miserável! Quebrei na cabeça dela que gritava de dor, estava duplamente ferida, digo triplamente, perdera um copo, um rosto e um casamento. Meus primeiros pedaços caíram perto dos pés das crianças, que correndo e chorando se cortaram, enquanto o sangue dela jorrava, junto eu caia, espatifado, fragmentado, não-copo, quer saber? Graças! Era o rosto dela que sangrava.
   Vi um pouco depois da minha morte o rosto dele, o homem, parecia arrependido-satisfeito, desgraçado-liberto. Eu já não tinha mais dentro, mas se tivesse, por dentro riria.
   Ficou assim, mulher ferida, crianças chorando, homem culpado e copo quebrado. Pude realizar o sonho que nenhum dos outros copos realizou, mesmo morto eu os tomei, agora eu era só vidro vivificado e saciado de sangue, meu funeral foi jornal e lixeira.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Os inimigos.

 

 
     Mas que sonho terrível! Assim preferiria não sonhar. Como ousa minha própria cabeça me presentar com isso. - Disse, deitado, a si mesmo.
     O dia passava em uma velocidade que ele não reconhecia, logo seria meio-dia, mas ainda eram sete horas. Estranho.
      O tempo nunca lhe apeteceu, pensara ao acordar sobre cada coisa que deveria fazer  ao dia, para adiantar, mas justamente por isso já estava atrasado, pensar não adianta, pensava, mal pensara na primeira tarefa e ela já começara sem ele, ela se fazia e o culpava, cada livro, antes seus amigos, agora o diziam que se o lessem, ler-lhe-iam tarde de mais, o livro de cima apontava para o de baixo: nem por mim tu passara, que queres com o outro, ousado.
        A culpa o deslocava. Bastava o primeiro pensamento seguido do abrir de olhos que se fracassava por completo e inteiro. Minha nossa!
       Tudo lhe era contrário, o chinelo estava longe da cama, o dia amanhecera frio, o café não lhe fazia mais efeito, a música nova de sua banda favorita, o texto pensado, vejam, até a gravidade, um pouco mais conspiraria.
     Mal vira já era meio-dia, ainda. Só fumara e escrevera o texto fraco, o texto farpa, o texto mimado. Que pensariam dele se o vissem com aquela idade fumando e escrevendo. Provavelmente que estava estudando, ninguém sabia que escrevia mesmo, ao menos ele estuda, diriam. Rezava para que os livros ariscos nunca se intrometessem em suas poucas conversas, nada custava para lhe revelarem ou desmentissem suas desculpas para não socializar, vou estudar, dizia e pretendia, mas ele fumava e escrevia, ninguém notaria a diferença.
      Quando foi que ficara difícil brocar um livro. Foi quando um livro me brocou, pensou. E calculava que se começasse agora daria tempo, e dava, mas ao calcular se atrasava. Acordasse dois antes já estaria atrasado, acordasse um mês antes já estaria atrasado, deus, que fosse um ano.
      Tanto agora pensara talvez em desistir, jogar pra amanha e fingir que hoje nem aconteceu, ficariam elas por elas, mas já estrava atrasado para amanha também - quem é que se atrasa pro futuro -. Tanto fumava.
      Era o último dia da semana, enfrentara tudo semana aos trancos, com toda aquela penumbra, valei-me, terminaria com honra.
       Eis que o espreitava a maior das contrariedades, sorrateira se aproxima, a cada trago podia sentir, vocês não estou ouvindo a escuridão? O objetivo sem avisar o encarava com seu efeito de medusa. Só uma cortina de tragos o salvaria. O mal. Não podia encarar-lhe, que eram aquelas garras, que eram aquelas patas, mas que monstro lento, por que não me mata.
      Vocês não estão ouvindo essa imagem, ela pede socorro, matem-a. Nunca viu tal feiura, que monstro desleixado com aquela barriga, pensava, se me comer não ocuparei um terço, mas não olhava para a cara, ficaria mais louco, sabia, imagina se ele passasse a pensar que era até pontual demais. Credo!
      Por que é que o horrível-terrível me afronta? Que quer de mim?
      Ave que sonho mais horrível, assim preferiria não sonhar!
      ... Ousa ... própria ... isso ...
     - Disse, deitado a si mesmo.
     - Disse deitado a si, mesmo.








sábado, 8 de setembro de 2018

Uma partida.



É uma mentira. Essa mentira é para contar uma contradição. Pois veja. Ela foi embora.

Os anos nos fizeram estabelecer uma boa relação, minha esposa e eu, cúmplices do medo que nós temos do mundo. Ao que poderia chamar um terceiro de submissão, eu jamais daria esse nome, tudo que ela fazia por mim era por vontade própria, nunca a pedi nada, mesmo quando deixava ela de fazer algo habitual, nunca questionei ou confrontei por tal. - Vá lavar a louça Mariana. - Você não lavou as minhas roupas Mariana? - Tal nunca foi dito, mas ainda assim ela foi embora. Lembro que no começo, quando nos conhecemos na Igreja, gostei dela porque era a menos tímida entre as garotas. Falava as vezes em meios aos homens com naturalidade e geralmente chocava-lhes duplamente. Primeiro por sua ousadia de mulher, segundo pelo seu conteúdo que expressava, certo ou errado, uma opinião contraria a de todos. Meus amigos quando a conheci já estavam quase todos arranjados, era um ou outro que ainda restava sem par, e eu para não ficar para trás tratei logo de investir em quem me atraia.Ela era de beleza comum, assim como eu sou de beleza comum - espero que vocês entendam a grande diferença entre a beleza comum de um homem e de uma mulher - exceto por sua boca, que era isoladamente linda, mas que no conjunto da obra a dava um ar de exótica. Uma exótica comum, como todos exóticos comuns existentes.

No principio da partida foi estranho, achei empolgante, um tanto desafiador, ela começou a ter ideias, ideias que não eram nossas, eram só dela, mas ela me incluía em um gesto de afeto, penso que talvez quisesse ela que eu tivesse também aquelas ideias, seriam então duas ideias idênticas que se apoiariam. Me confessou com o café posto que estava com vontade de viajar, viajar para um lugar diferente dos lugares que viajavamos. Ela queria um lugar desconhecido, talvez até aleatório e eu me assustei discretamente. Para onde iriamos aleatoriamente, para onde iriamos que fosse diferente de onde estávamos? Perguntei a ela para onde e me disse então: não sei, é só vontade. Estranha vontade para nós, que juntos tínhamos medo, mas ela sozinha tinha vontades. Eu também tinha coisas que só pertenciam ao nós, aprendi com o tempo a me portar como homem perto dela, que eu é quem deveria conversar com os atendentes e pedir, era minha responsabilidade de escolher o lugar ao restaurante e entender da qualidade das coisas, e isso não pertencia ao eu isolado, dentro do nosso relacionamento eu era mais, não mais que ela, mais que eu mesmo.

Um dia vi ela se arrumando para jantar na casa de sua irmã, me falara no dia anterior, percebi algo diferente, suas vestes estavam coloridas e seu cabelo preso, que se não em nossa intimidade nunca a vi prender o cabelo, isso era a parte dela que pertencia ao nós, ser elegante, mulher de pompa, mesmo que ela por si só não se importasse com isso, então vi que o nós e ela começaram a se confundir, não digo se misturando mas se enfrentando e nisso ela ganhava. Foi difícil aceitar que ela poderia as vezes ter vontades que não pertencessem também a mim. Um dia no supermercado a vi carregar a maior parte das compras, me deixando apenas três ou quatro sacolas, dirigiu ela o carro para casa e adiantou-se em guardar a compra, coisa rotineira que fazíamos juntos, sem combinar, pensei a princípio que talvez estivesse mais disposta que o normal contudo devo confessar que pensei também que talvez ela tivesse alguma queixa a me fazer, por algo que cometido eu nem notará. Pausou silêncio sobre isso. Pensei nessa ocasião em beija-lá, contudo a ausência de harmonia explicita me acuou, aguardei a queixa, sempre direta e bem resolvida, nunca veio, nunca mais fui capaz de beija-la, a queixa calada calou também o afeto. Por episódio seguidos a partida se dava, confesso que cheguei a me desesperar secretamente, já vi isso acontecer, estava claro, as novelas e filmes sempre anunciaram, devia então surpreende-la com um ato que expusesse meu amor e compreensão sobre ela, devia reconhece-la e também suas intimidades para restabelecer infinitamente nosso relacionamento. Os filmes e novelas pareceram mentir, ou sobre a utilidade de seus atos programados capazes de estabelecer a infinitude ou sobre a facilidade e habilidade necessária para concretizá-los - seriam os atores bons em matéria de concretude? -. Me senti por vezes culpado, pensei que talvez se fizesse algo diferente ou algo a mais sustentaríamos nosso relacionamento que discreta e silenciosamente desmoronava - estranha matemática do diferente e do "a mais", parecem semelhantes quando se trata de relacionamento, acho que porque quando o diferente mata o comum já nem se considera a subtração do que no fundo não somava.-

Pois que tivemos uma de nossas brigas sérias, já tivéramos outras brigas sérias porém com acusações sem conteúdo, essa contudo estava diferente, não era por morarmos no bairro próximo a família dela ou por irmos muito mais em minha mãe do que a dela, não era sobre comprarmos dois ou um carro ou pela janela que facilitaria o cozinhar, ela me acusou de estar cansada, irritação acumulada que nos levou aquilo, sem precedentes, sem posteriores, o estado de cansaço se concretizava em abstração. Nessa ocasião e continuadamente depois dela já não pude ser o mesmo, pensei depois disso que tudo que eu fazia e era à cansava, que tudo que eu poderia fazer ou ser à cansaria, até esse "mesmo" que eu não era a poderia cansar, foi difícil pra mim por que não sabia como pagar adequadamente pelo pior crime que eu teria cometido em toda minha vida, cansar minha mulher, qual a sentença? Seria eu sentenciado a vê-la estar cansada ou ausentar-me para parar esse estado? Então punição e reparo? O que é esse estado? Eu cansava-a? Eu a obrigava a se cansar? Ela se cansava de mim? Eu sou algo de que se possa cansar? Eu sou o próprio cansaço? Meu deus! Sou sujeito, verbo, complemento, objeto ou predicativo? Do cansaço ou dela? E se foi dai por diante.

Acho que ela já sabia, inclusive sabia que eu sabia, que a alguns instantes nos quebraríamos, nosso casamento parecia um vaso a beira da mesa, onde quando caísse deixaria os estilhaços, a água limbosa e a rosas já passadas lançados no chão em uma mistura não homogênea. Tornamo-nos juntos mais atentos, de passos e atos mais sensíveis, nem um de nós queria ser o que derrubaria o vaso por descuido da mesa, curioso que até o que deveríamos evitar nesse grau de risco cumpríamos com melhor maestria, nada mais era necessário para deixar explicito, o não-dito já era suficiente para ambos sabermos, ao procura-lá, depois disso tudo com muito menos frequência, na cama ela já não se dava o direito de recusar, ou ao me pedir dinheiro para as compras eu lhe entregava dinheiro a mais para não correr o risco de ser insuficiente, o dinheiro e eu.

Me perguntava todos os dias o que faríamos com nossos humildes planos: os de reforma, os de filhos, os de velhice. Nunca mais tocamos neles, apesar de estarem lá, em algum lugar onde não poderíamos olhar os dois ao mesmo tempo, nossas conversas se bastavam ao presente ou passado, nosso futuro virou um segredo que escondíamos de nós mesmos, ou um do outro. Ela me disse então que iria começar a estudar, fazer um curso de secretária, até me perguntou o que eu achava, fiquei com receio de parecer contrario, no fundo eu gostaria de ter perguntar onde, ou se o curso tinha boas referências, ou se não teria um curso com um tema mais interessante, sei que ela sempre foi boa em matemática, mas não tive coragem, só consegui dizer que achava boa a ideia: se é o que você quer. Ela me informou que se começasse o jantar passaria a sair uma hora mais tarde.
Passou-se um tempo com o vaso a beira. Ela começou o curso. Eu continuava a me entristecer. Eu pensava, pensava e  pensava, pensava no que nos tinha levado aquilo, foram tantas coisas pensadas que eu já nem sabia separar o que de fato tinha acontecido do que imaginara que aconteceu, pensava ainda se havia algum modo de reflorescer, mas tudo que eu pensava sobre isso me levava a possibilidade de cansa-lá ainda mais ou que de vez ela me diria o que ainda não tinha dito, eu sozinho tinha medo por nós, acho que ela tinha medo por mim.

Não era justo que eu fosse tão intolerável, eu nunca fiz nada para torna-me isso. Talvez ela estivesse algo a mais além de cansada, será que ela estava também com ódio, de mim, de nós, eu pensava.
Vi tudo, do começo ao fim, e não entendia. Talvez fosse por isso, porque eu não entendia. Ela foi indo embora e percebendo eu corria, mas quanto mais eu corria, mais longe ela estava. Quando mais eu procurava busca-lá, mais eu à perdia, ou mais ela se perdia, ou mais eu me perdia. Veja, ela ia e me levava e ao mesmo tempo me deixava, eu já não era, ela também não, será que ela se deixará também? Talvez, por mais que eu seguisse aquela mulher que eu via já não fosse ela quem eu procurava, qual Mariana eu queria? E ia indo.

De fato se deu quando ela me disse que tinha uma entrevista de emprego: hoje a tarde. - Deveria sorrir? Pensei -. - Mas se sorrisse e demonstrasse empolgação exagerada e ela pensasse que eu a queria fora de uma forma negativa -. - Quando foi que ela tinha entregado currículo-. - E se eu fosse monossilábico e parecesse desinteressado-. - E se eu demonstrasse curiosidade e soasse invasivo-. Disse: que bom, está ansiosa? Ela apenas respondeu que não, e que talvez o jantar passasse a demorar um pouco mais, se eu preferia que ela deixasse semipronto para somente esquentar, pedi que não se preocupasse. E difícil saber o momento do fim.
O telefone tocou. Atendi. Era minha mãe. Não sabia o que dizer. Lembro que até se dar o silêncio para minha resposta demorou bastante e quando se deu perdurou o dobro. Pensei. Apenas disse que era melhor assim, que ela não se preocupasse: foi escolha minha. Precisava desligar, a sindica batia na porta e tinha ainda roupas a desencaixotar. Será que ela tinha conseguido o emprego?

segunda-feira, 26 de março de 2018

Orgulho



O orgulho me deu tudo que tenho e também me tirou tudo que perdi.  Qual é o saldo de ser capaz de dizer sim e não para si mesmo?

terça-feira, 20 de março de 2018

Maybe in black.




Maybe in other language I can tell to you what a wish
Maybe some day I can say.
But what I would say?
What do you would hear? What do you hear?
It so silent in here, it so black out there.
The horizons don't show me the beuaty.
Your face don't see me. Its a lonely company.
You make my emptyness emptier
And I turn myself more bitter. Its so black.
If I could say, what I would say? What you would say?
Your on sky, but not my black sky. Why?

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Quem não tem medo de ser feliz?



A felicidade que talvez não cale, toda vontade que talvez desague no rio do fim de mim.
 Todo fato de desacato do afeto falho que nos faz retalho, todo luto que nos faz viver ainda mais.
 E quanto a toda graça, prévia da desgraça, desgraça prévia de um futuro riso.
 Tão pouca falta de fato que de perto revela espaço, folga sem embaraço, um pouco vazio do outro em si.
 Mas quem é que nunca foi feliz. De nós dois só quem não nos era, de nós só quem já não somos mais.
 Um fardo que nos carrega, que nos eleva e solta em  queda livre, sem correntes, sem para-quedas, sem parar a queda, sem quedas para parar.
 Louca limpeza, saudável tristeza, o mais ralo pulsar.
 E como dizer que da própria infecção que tornas-te curar-se-á com sua morte, quando o que adoenta é minha própria história, quando se encuba no meu futuro e neblina minha vida.
 Só não se pragueja a maldição, que dita redobra, que em silêncio consome e que cega revela. Ah a paixão!
 E tendo dito isso que ninguém sabe, quem não tem medo de ser feliz?